Nas ondas da vida, um Pai! Uma reflexão a partir de Mt 14,22-33.

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NAS ONDAS DO MAR DA VIDA HÁ SEMPRE UM PAI A NOS OFERECER

AS MÃOS E NOS RECOLOCAR NO BARCO.

Uma reflexão a partir de Mt 14,22-33

Jacir de Freitas Faria

No segundo domingo de agosto, considerado o mês das vocações, celebramos o dia dos pais. Comemorada em vários países do mundo em diferentes datas, no Brasil, essa data é celebrada desde 1953. Em Portugal, esse dia é celebrado no dia 19 de março para fazer memória do pai de Jesus, São José. A origem dessa data remonta ao filho do rei da Babilônia, Nabucodonosor I, que governou há três mil anos, e recebeu de seu filho uma homenagem.

Mt 14,22-33 relata que Jesus, depois da multiplicação dos pais, foi para o alto de uma montanha rezar. Os discípulos embarcaram e foram para o outro lado do mar, que, na verdade, não é um mar, mas um grande lago, o da Galileia, situado no norte da Palestina, hoje Israel. Às três horas da manhã, Jesus desce da montanha e vai até eles. O mar estava revolto. Jesus caminha sobre as águas. Os discípulos têm medo. Pedro pede para ir até Jesus e se afunda. Jesus lhe estende a mão e o salva. Os discípulos professam a fé em Jesus. Num primeiro momento, eles pensaram que se tratava de um fantasma.

Estamos diante de um fato que aconteceu ou de uma parábola de nossa vida? Isto é, uma comparação entre o que o texto diz e a nossa condição humana. Nesse sentido, ousaria afirmar que é Jesus é o pai, Jesus, que se relaciona com os seus filhos adotivos, os apóstolos. Dentre eles, destaca-se, Pedro, o pai de uma filha chamada Petronília, conforme relatos apócrifos, e que tinha uma sogra que foi curada por Jesus. Pode ser.

Ser pai não é tarefa fácil. Exige dedicação e pedagogia regada de amor e até de medo. A vida é constantemente um mar de perigos. Somos chamados a navegar, a avançar sem medo e com fé. Na verdade, o gênero literário do texto é o de milagre: Pedro é salvo quando afundava nas águas; Jesus aparece caminhando sobre as águas. O texto de Mc 6,45-52, que é o mais, o seu gênero é o da epifania, isto é, manifestação divina de Jesus para os discípulos. O foco de Mateus é mostrar a Igreja, representada pela barca, e a fé, condição básica do seguimento. Bom com essa introdução, vamos aos simbolismos do texto e suas atualizações.

1. Depois do milagre da multiplicação dos pães, Jesus ordenou aos discípulos que entrassem na barca e fossem para o outro lado do mar. A referência aos pães é porque ele é um dos motivos literários em vários episódios nos relatos de Mateus. Jesus manda os discípulos seguir adiante na missão. Ele parece nervoso. Quer ficar só para rezar, pois sente que as coisas não estavam fáceis. Ele precisava recorrer ao seu Pai no alto de uma montanha, isto é, de forma próxima. Todo pai, diante dos sofrimentos, precisa distanciar-se dos filhos para encontrar forças para seguir adiante, retomar o seu projeto inicial de fidelidade. Jesus manda os discípulos para o outro lado do mar. Marcos fala da cidade de Betsaida, lugar de conflitos e de missão.

2. Os discípulos vão para o mar. O mar, no tempo de Jesus, é o lugar do perigo, da morada de um demônio, um grande peixe ou serpente marinha, chamado de Leviatã. Na Idade Média, a Igreja retomou esse imaginário para incutir medo nas pessoas. Os navegantes levavam na embarcação a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem e carneiros, os quais deveriam ser despedaçados e atirados ao mar, quando esse estivesse revolto. Desse modo, o monstro, o demônio das águas, ficaria calmo. Quando o texto diz que o mar estava revolto é sinal de presença desse demônio. Os filhos, os apóstolos, enviados para a missão, deveriam enfrentar as dificuldades inerentes ao mar. Na vida, não podemos fugir dos problemas, mas enfrentá-los.

3. Era noite, três horas da manhã. O cenário é tenebroso. O mar estava revolto. A barca estava agitada. A barca, na interpretação de Mateus é a Igreja nascente que estava sendo perseguida, por forças contrárias ao reino. Muitos da comunidade de Mateus estavam apoiando a opressão do império romano. Quantas vezes as barcas de nossas famílias estão agitadas e ninguém sabe o que fazer. Os que estão dentro dela são filhos iguais, da mesma origem, mas diferentes no modo de ser. Como é difícil ser pai, ser guia de uma barca. Como é difícil levar a comunidade de fé a perceber que projetos políticos, disfarçados de bondade, matam a vida.

4. A hora terceira da noite é o momento de revelação de Deus que age na vida de quem tem fé ou procura tê-la. A referência à manhã, em outros textos bíblicos, é o momento da revelação de Deus. Jesus, o pai adotivo dos discípulos, iluminado pela presença de seu Pai, desce e como uma grande luz, um farol da noite, vai ao encontro dos que estão em perigo.

5. Os discípulos têm medo, pensam que se tratava de um fantasma. O medo deles se contrasta com o medo inicial de Jesus que despede o povo e sobe para a montanha. O medo dos discípulos não é do mar, mas de Jesus. Bom, pensavam que estavam vendo um fantasma. E quem não teria medo? É a condição humana. O medo é o sinal de que a nossa fé está fraca. O caminhar de Jesus sobre as águas é o sinal de que ele tem poder sobre as forças demoníacas, adversas.

6. Coragem. Sou eu. Não tenhais medo!, disse Jesus aos discípulos. Na fala de Jesus há uma revelação: o nome de Deus, Javé. Eu sou aquele sou. Não tenhais medos. Eu, o Pai, Deus, em Jesus, o Filho, e vosso pai, estamos com vocês. Veja que bela certeza! Deus está conosco. Deus está com todos os pais que educam, na labuta do dia a dia, os filhos para enfrentar o mar da vida.

7. Na vida, há sempre um filho que desafia seu pai. Pedro diz a Jesus: “Senhor, se és tu mesmo, manda que eu caminhe sobre as águas”. Pedro tem fé ao chamar Jesus de Senhor, mas ela ainda é fraca. Como um filho que ensaia seus primeiros passos, Jesus lhe diz: Vem! E estende a sua mão para o filho. Quando o filho, por causa da sua imaturidade, afunda no mar de lama, nas drogas, nos descaminhos, há sempre por perto um pai, um amigo, que novamente lhe estende a mão e o recoloca na barca da vida, da comunidade de fé. A bela música que cantamos em muitos velórios é significativa: Se as águas do mar da vida quiserem te afogar, segura nas mãos de Deus e vai, pois ela te sustentará...” Por outro lado, é lamentável quando vemos pais que nunca passaram segurança para os seus enfrentarem as ondas agitadas da vida! Há filhos que choram uma vida inteira a ausência de um pai “porto seguro” que nunca tiveram.

8. Pedro, sustentado pela mão de Jesus, pode voltar para o barco e seguir a sua caminhada com os outros discípulos, que, ajoelhados, professaram a fé em Jesus: 'Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!' Os discípulos começaram a romper com o mar, mas ainda, naquele momento, não foram capazes de compreender o caminho de Jesus. O mar, os opressores, ainda os aterrorizavam. Mar e o ambiente caótico da ideologia do sistema ainda estão presentes na vida dos discípulos. Pedro ainda não tinha fé suficiente para romper com o sistema de opressão, representado pelo mar que os aterrorizavam. Muitas vezes, é difícil fugir das ondas revoltas de nossa vida pessoal, mas dos opressores, sim. Uma coisa é certa: a fé é fundamental nessas duas situações.

Para terminar, gostaria de parabenizar a todos os pais pelo seu dia e dizer que a fé nos tira do medo e nos leva adiante no caminhar de nossas vidas. Nunca percamos essa dimensão. Deus está conosco. Ele é sempre um pai disposto a nos dar as mãos nas horas difíceis. Ele não é um fantasma, mas real. No mar da vida, encontramos muitas dificuldades. Sem a fé podemos afundar, mas quem crê está salvo. Segura nas mãos Deus e vai...