Ai de vós, Fariseus! Uma reflexão a partir de Mt 23,27-32.

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https://youtu.be/bRNyKHNR4wc 

AI DE VÓS, FARISEUS, SEPULCROS CAIADOS DE NOSSO TEMPO!

O SENTIDO DA RELIGIÃO E SUA LEI!

Uma reflexão a partir de Mt 23,27-32

Jacir de Freitas Faria

Introdução

Mt 23,27-32 é um texto que nos remente a mais ou menos 40 anos depois da morte de Jesus e nos leva a refletir sobre o valor e o sentido da religião, tendo como ponto de partida o judaísmo e o cristianismo. A comunidade de Mateus estava vivendo um momento de difícil perseguição por parte da comunidade judaica. A sinagoga, o judaísmo, havia rompido com a Igreja no ano 66. Fazendo memória dos ensinamentos de Jesus em relação aos fariseus, a comunidade escreve esse texto, que deve ser lido no conjunto do capítulo 23. Ele, de certa forma, destoa de outros textos sobre os fariseus, visto que Jesus tinha amigos fariseus, ainda que discordasse deles.

Mateus é duro, com a clássica expressão profética, “Ai de vós”, que aparece 7 vezes no capítulo 23. Ele chama os fariseus de hipócritas e sepulcros caiados. Seria o judaísmo, representado pelos fariseus, uma religião falsa, e o cristianismo, verdadeira? Por que essa fúria de Jesus contra os fariseus? Seria essa fala de Jesus ou de seus seguidores? Afinal, quem eram os fariseus?

1. Origem e pretensão dos farisesus

O grupo ou partido religioso-político chamado de Fariseus nasceu no período do governo asmoneu de João Hircano (135-104 a.E.C.). A descendência dos asmoneus governou a Palestina do ano 167 a 63 a.E.C., após a revolta do Macabeus contra a dominação grega que havia imposto condições políticas, sociais e religiosas, as quais impediam os seguidores da lei mosaica de viver o judaísmo.

Fariseu significa “separado” dos impuros. Portanto, esse grupo se sentia separado do povo a partir da pretensão de fazer de Israel um povo santo, isto é, puro, na observância radical da Lei.

O grupo dos fariseus era composto de doutores que interpretavam a Torá, escribas, sacerdotes do terceiro escalão, pequenos comerciantes e artesãos.

2. O projeto político-religioso e seu objetivo principal

O projeto religioso dos fariseus era interpretar para o povo os textos do Primeiro Testamento, discordando da interpretação dos sacerdotes do templo de Jerusalém. Por isso, eles eram populares, queridos pelo povo. O projeto político deles era combater a política profana dos sacerdotes-príncipes asmoneus, seus compatriotas e fazer uma aparente oposição aos romanos.

Já o objetivo principal dos fariseus era preparar a vinda do Messias, o filho de Davi que viria para restaurar o poder político e levar a Palestina ao cumprimento da Torá. O Messias chegaria no momento definido por Deus. Até que isso acontecesse, o povo devia se preparar, não seguindo o caminho indicado pelos asmoneus. Ainda que alguns fariseus chegassem a ocupar cargos políticos, o poder maior que eles exerciam era na sinagoga. Os fariseus também acreditavam na ressurreição dos mortos.

Por serem fiéis observadores da Lei mosaica, os fariseus eram respeitados e amados pelo povo. No entanto, foi esse mesmo rigorismo que os distanciou das classes populares, fazendo com que eles não percebessem as necessidades e sofrimentos do povo diante do império romano. Os pobres não eram capazes de seguir o rigorismo proposto por eles e, por isso, foram deixados de lado. Com a guerra judaica (67-70 E.C.), o farisaísmo foi o único grupo judaico que permaneceu vivo e perpetuou o judaísmo como religião até os nossos dias, a partir do concílio de Jammia, por volta do ano 95 E.C., que definiu, dentre outras coisas, a lista dos livros inspirados do judaísmo, a Bíblia Judaica ou o Primeiro/Antigo Testamento que temos hoje.

3. O sentido de uma religião e suas leis

Pois bem, tendo lhe oferecido essas informações, voltemos ao ponto inicial de nossa reflexão, a religião. Uma religião precisa de símbolos, liturgias, doutrinas e vivência. Em outras palavras, os símbolos que falam sobre o Sagrado, por exemplo, uma vela acesa me lembra Jesus ressuscitado. Os símbolos são utilizados nas liturgias. A doutrina é o conjunto de leis e ensinamentos de uma religião ensinada por alguém. Teólogos, mestres ou doutores de faculdades de Teologia, padres e fariseus, no tempo de Jesus, todos têm a missão de ensinar. A vivência é a prática de uma religião, que exige atitudes éticas, corretas de alguém.

Esses quatro pontos precisam ser alimentados em uma religião. Se um se sobrepõe ao outro, a religião fica capenga. Há quem valoriza por demasia o litúrgico e não age profeticamente ao ensinar. Há quem se apega ao rigor da lei de sua religião e esquece a liberdade, as relações éticas.

No texto de Mt 23, isso é claro. Na comunidade de Mateus havia também os que estavam presos à lei. Vendo que os fariseus chegaram a criar 173 leis somente para garantir o cumprimento da lei de santificar o sábado, muitos se perguntavam: como poderei ser santo. Não consigo seguir todos esses preceitos. A lei judaica havia se tornado uma canga, uma carga pesada sobre o ombro das pessoas. Jesus não podia concordar com isso. Daí a imagem usada no texto para chamar os fariseus de sepulcros caiados, pintados, que enfeitavam os túmulos dos profetas e justos. Os judeus caiavam, pintavam, os túmulos para evitar o contato com o falecido, com o morto, pois esse contato os impediria de participar de um rito litúrgico. Jesus usou o símbolo de túmulo para dizer que a prática desses fariseus não era condizente com a doutrina que eles ensinavam, pois eram desonestos, carregavam dentro de si, a morte. Falam bonito, criam leis ótimas, mas não a vivenciam. Para a comunidade de Mateus, o ensinamento de Jesus passa pela prática e liberdade diante da lei.

4. A atualização do texto

Falar bonito, todos podemos, o importante é perguntar pela prática daqueles quem ensinam doutrinas, daqueles que celebram com pomposas liturgias, mas não agem de forma honesta. São sepulcros caiados. Vejam, nesse sentido, a reação de grupos sectários em relação à lei do aborto e à preservação da vida de uma criança estuprada no Espírito Santo, bem como a desocupação de terras no sul de Minas Gerais.

Os fariseus do texto de Mateus não praticavam a essência da religião judaica que é a justiça, a misericórdia e a fidelidade ao mandamento do amor de Deus. Qualquer semelhança com os nossos dias é mera coincidência.

A comunidade de Mateus, sentindo-se perseguida, expulsa da sinagoga, vê na palavra de Jesus a condenação dos fariseus, a raça de víboras, que segue o caminho dos seus pais, que mataram os profetas. A comunidade se lembra de que o próprio Jesus foi morto numa cruz por esse tipo abominável de judeu, que não representava a maioria de seu povo. Para esse grupo, a comunidade de Mateus não tinha outra solução que condená-los também ao um fim não muito bom.

Para finalizar, pensemos como está a nossa prática como cristãos? Estamos agindo de forma ética? Somos da religião, igreja do oba, oba? Falamos bonito, mas nossa prática é desonesta? Ai de nós, fariseus modernos de uma religião que mata a vida com as suas próprias leis...