A Torá na circuncisão de Jesus

Frei Jacir de Freitas Faria

 

Uma leitura atenta dos evangelhos à luz da Torá nos levará inevitavelmente a perceber Jesus judeu, seguidor fiel da Torá oral e escrita[1]. Jesus durante a sua vida terrestre se colocou no caminho da Torá. Seguir a Torá é também passar pelos ritos litúrgicos, os quais fazem um homem do povo eleito tornar-se judeu plenamente.

 E foi assim com Jesus. Com oito dias de nascimento, sua mãe, a judia Maria de Nazaré, o levou ao templo para ser circuncidado (Lc 2, 22-28) segundo as prescrições da Torá.

 Nessa celebração, ele recebeu o nome hebraico Yeshua (Jesus) e o sinal no seu corpo da pertença ao povo de Israel, a circuncisão. Circuncidar um homem significa cortar o prepúcio, isto é, liberar a pele que circunda o pênis para que ele, livre, esteja preparado para gerar a vida. Um circunciso judeu recebe no seu corpo a marca da presença de Deus que lhe pede:

 “Crescei e multiplicai!” (Gn 1,22). Os rabinos judeus ensinavam que quem não multiplica é um assassino. Ninguém pode negar a ordem divina de procriar. Outros rabinos iam mais longe: “a salvação está no pênis de Deus”, naquele que gera a vida. Portanto, um pênis circuncidado está apto para a vida em abundância.

 O substantivo hebraico milah refere-se à circuncisão e palavra. Ao ser circuncidado, o judeu menino já nasce sabendo que a sua vida deverá sempre ser de palavra e diálogo com o Eterno e suas revelações. Jesus foi esse diálogo, a Torá-Palavra. O rei Abimelec, segundo a Torá oral teria pronunciado diante de Abraão:

 “Não sou digno que entres na minha morada, mas diz somente uma palavra e minha casa será salva” (ExR 20,10-12). A sua reação se deveu ao fato dele ter percebido que toda a sua vida teria ficado estéril com a presença de Sara, apresentada por Abraão como irmã.

 A comunidade de Mateus nos informa que o um oficial romano encontra-se com Jesus e repete essas de Abimelec a Jesus (Mt 8,5-8) e o pede que cure o seu criado. Jesus-Torá-Palavra cura. Assim, Jesus torna-se o novo Abraão que também se encontra com um estrangeiro e é para ele sinal de salvação para toda a sua casa.

 Os cristãos ligaram, posteriormente, as palavras de Abimelec e do oficial romano à Eucaristia. E o fizeram muito bem, pois a Eucaristia é o lugar da celebração da memória. Eucaristia é circuncisão que cura, que confere a salvação, deixando em todo aquele/a que crê a marca da aliança eterna feita com Abraão, realizada em Jesus, o circunciso.

 

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[1] Devemos muito a Marie Vidal o estudo acurado feito por ela dessa temática, recolhido no seu livro Um judeu chamado Jesus, uma leitura do evangelho à luz da Torá, Petrópolis: Vozes, 2000.