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Perdão e Nova Aliança em Jr 31, 23-40
A proposta jubilar de Jr 31, 23-34
Frei Jacir de Freitas Faria, OFM
(Artigo publicado na Revista RIBLA, 40, Petrópolis: Vozes.)
RESUMO: A passagem Jr 31,23-34 não fala explicitamente do ano jubilar. Nesse artigo procuramos desvendar os laços existentes entre a temática dessa passagem e a realização do jubileu bíblico. A análise retórica, aqui utilizada, parte do versículo 34c “porque vou perdoar a sua culpa e não me lembrarei mais do seu pecado”. Perdão, nova aliança e ano jubilar são temas correlatos. Depois de 49 anos de exílio na Babilônia, ou seja, 7 anos sabáticos sem serem celebrados, o qüinquagésimo ano seria o do jubileu. Libertação para os exilados, volta para a terra dos pais. A certeza da realização desse evento viria de Deus. Ele vai perdoar o seu povo e fazer uma Nova Aliança. Tendo em vista o ano jubilar, nos propomos a refletir sobre o alcance de tal evento na perspectiva de Jeremias.
ABSTRACT: Jeremiah 31, 23-40 doesn’t explicitly mention the Jubilee year. In this article we aim to show the connection between the passage and the biblical Jubilee. The rhetoric analysis used here begins with versicle 34c: “I shal forgive their guilt and never more call their sin to mind.” Forgiveness, covenant and the Jubilee year are correlative subjects. After a 49 year exile in Babylon, or seven sabbatical years uncelebrated, the fiftieth year would be the year of the Jubilee. Freedom for the exiled, the return to their great-grandparents’land, the gurantee of such event wuold come from God. He wuold forgive his people and make a new covenant. Having the Jubilee in mind, we propose a reflection on this event’s effects upon Jeremiah’s perspective.
1. Introdução
Lendo o artigo de P. Beauchamp, “Propositions sur l’alliance del’Ancien Testament comme structure centrale”, RSR 58 (1970) 161-193, chamaram-nos a atenção as suas palavras finais, com as quais ele ressalta o fato que o perdão está no passado e que em Jr 31,31-34 ele está no fim do texto, isto é, no v. 34c. Citando também Ez 16,33, ele afirma ser o perdão “o ato de graça, a partir do qual tudo ganha sentido” (193). Lendo outros estudiosos, percebemos que a presença de tal versículo no final desse famoso texto sobre a nova aliança, suscitou variadas interpretações quanto ao perdão divino. Tais autores, uns mais e outros menos, perceberam a importância da partícula kî que se encontra no início do v. 34c. Assim que, L. Alonso. Schökel e J. L. Sicre Diaz escrevem: “A frase final, a respeito do perdão, é introduzida com a partícula indiferenciada kî, que poderia entender-se de várias maneiras :
a) conjunção subordinativa integrante: eles conhecerão que eu perdôo. O perdão, nesse caso, não seria visto como etapa prévia para um restabelecimento de uma relação permanente.
b) conjunção subordinativa temporal: reconhecer-me-ão quando eu perdoar. Segundo nossa opinião, essa função temporal da partícula kî poderia ser aceita. Mas, limita o perdão a um tempo, não ao ato divino de perdoar. O ato divino se realiza no tempo, mas não é o tempo que limita o ato divino.
c) conjunção subordinativa causal conclusiva: reconhecer-me-ão porque/em que perdôo/perdoarei”.
Nós, por outro lado, conjeturamos que o tipo de função exercida pelo kî do v. 34c influencia na relação perdão/nova aliança/ano jubilar. No caso, acreditamos que a sua função seja aquela de conjunção subordinativa causal conclusiva que introduz uma oração subordinada causal. A maioria dos estudiosos relaciona o v.34c a Jr 31,31-34. Nós pensamos que a sua relação vai além desses poucos versículos. Suspeitamos que a presença da partícula kî no final de Jr 31,31-34 seja porque ela esteja em uma posição estratégica.
Ela está em relação a nova aliança que, por sua vez, depende do perdão divino para a sua realização. Perdão e nova aliança são ações divinas que possibilitariam a realização do ano jubilar no pós exílio. Acreditamos que Jeremias, ao falar de perdão e nova aliança em tempos de exílio babilônico, refere-se ao ano do jubileu. O Deus de Jeremias, paciente e de entranhas que se comovem, cede a compaixão (31,20), concedendo o perdão ao seu povo que não havia posto em prática a libertação do escravo hebreu no ano sabático. Não seria isso a realização do ano do jubileu ou ano do perdão? Revestido, é claro, de uma nova e eterna aliança. O perdão sendo concedido, tudo começaria de novo.
O nosso procedimento na averiguação será o de, primeiramente, identificar a natureza do kî que inicia esse versículo. Acreditamos que, entendendo a função da partícula kî, poderemos entender melhor as nuanças de Jr 31,34c, bem como a idéia principal que nele subjaz. Por isso, entendendo a função do kî no v. 34c talvez compreenderemos o porquê da menção do perdão divino no final de 31,31-34, bem como a relação entre perdão e nova aliança, perdão e ano jubilar.
A nossa análise limitar-se-á, não obstante as referências a outros textos, ao âmbito do livro de Jeremias, com especial destaque para Jr 31,31-34. A metodologia usada consistirá em situar brevemente, a partir de uma análise retórica, Jr 31,31-34 dentro do livro de Jeremias, com o objetivo de encontrar uma explicação do ponto de vista formal para a posição do v. 34c no seu contexto e estrutura literária de Jeremias, bem como para a função da partícula kî presente nesse. Por fim, faremos uma análise exegética da passagem , onde está presente o v. 34c.
O nosso objetivo será o de compreender a tríplice relação entre perdão, nova aliança e jubileu bíblico, bem como entre terra, perdão e esperança de um novo tempo
2. Jr 31,34c na estrutura de Jr 30-31
Entender Jr 31,34c significa considerá-lo nos seus contextos imediato e amplo. É comum entre os exegetas considerar esse versículo como parte integrante da passagem 31,31-34. Portanto, para compreender Jr 31,31-34 se faz necessária uma delimitação da unidade literária dentro do livro de Jeremias, da qual esse é parte integrante. Jr 31,31-34 está inserido no contexto dos cc. 30-31 , os quais alguns estudiosos chamam de Livro da Consolação. O termo livro encontra-se em 30,2, onde Jeremias recebe a ordem de escrever em um livro tudo o que o Senhor dirá. E consolação provém, talvez, do texto grego de 38,9, onde se encontra a palavra parale/sij, vocábulo que também se encontra em 38,15 para dizer que Raquel não aceita ser consolada.
Os limites desse artigo nos impede de demonstrar os argumentos que nos levaram às conclusões que apresentamos a seguir . Vejamo-las:
1) Os cc. 30-31 formam uma unidade literária . Podemos, assim, considerá-los como uma seção dentro do livro de Jeremias. Embora não pode-se dizer muito sobre o grau de “unidade”, de coerência literária, estilística e retórico desses capítulos .
2) Os cc. 30-31 podem ser divididos em duas seqüências: 30, 4-31,22 e 31,23-40. Justificam essa proposta: a afirmação de Lundbom que Jr 30,4-31,22 é um núcleo poético; a constatação de Bozak que 30,5-31,22 é poesia e 31,23-40, prosa ; a inclusão presente em 30,6 e 31,22; a fórmula temporal, expressa do modo “Eis que dias virão” (vv. 27.31.38) “Nesses dias” (vv. 29.33), vista como característica literária da seqüência 31,23-40, dando-lhe uma estruturação retórica.
3) A seqüência 31,23-40 está dividida em dois passos: 31,23-34 e 31,35-40. As razões para essa subdivisão são: a presença de “Assim diz o Senhor” nos vv. 23 e 35 e o Não ... de novo que está presente na conclusão de ambos os passos.
4) A passagem 31,23-34 pode ser subdividido em três partes: primeira parte (vv. 23-26); segunda parte (vv. 27-30); terceira parte (vv. 31-34). A fórmula temporal “Eis que dias virão - oráculo do Senhor” está no início dos vv. 27 e 31 . As fórmulas “eles de novo não dirão”... (29a) e “eles de novo não terão mais que ensinar” o seu próximo... (34a) funcionam como fórmulas de fechamento. A partícula kî aparece na parte conclusiva de cada parte (25a , 30a, 34a).
Encontramos dois quiasmos sintáticos: verbo - objeto - objeto - verbo (vv. 25 e 33), sendo que o último pode ser também considerado como paralelismo semântico. O paralelismo é a figura retórica predominante na terceira parte. As partes referem-se continuamente ao passado e futuro, sublinhando uma tensão entre eles. Isso é demonstrado com a presença de de novo(v.23), Assim como... assim (v.28) e Não... de novo (vv. 29.34), bem como o paralelismo antitético entre os vv. 32b e 33a. O futuro será radicalmente diferente do passado, porém, entendido à luz desse .
5) Jr 31,31-34 é uma parte da passagem 31,23-34. O modo como estão estruturados tanto a passagem como, de modo especial, a terceira parte, ajuda nos a entender a função do v. 34c.
6) Jr 31,34c é um segmento conclusivo da passagem Jr 31,23-34. Conforme indicação de Lundbom o v. 34a é fórmula de fechamento para a parte 31-34 e o v. 34c, a modo de inclusão com o v. 23, conclui todo a passagem . Tendo os verbos na primeira pessoa singular, o v. 34c está disposto em forma de paralelismo sinonímico, o qual, assim como o v. 33a, pode ser considerado como um quiasmo sintático:
Kî perdoar(rei) sua culpa e dos seus pecados não me lembrarei mais.
O v. 34 começa e termina com a expressão não + verbo + mais e repete na parte central a partícula kî. Em ambas as vezes, essa tem a função conclusiva, sendo que a primeira recorrência conclui a terceira parte da passagem, e a segunda, todo ele. A partícula kî tem a função retórica de conclusão , ou seja, a sua posição estratégica no v. 34c lhe confere a condição de conjunção subordinativa causal conclusiva, não somente para os vv. 31-34, para todo a passagem Jr 31,23-34 . Como isso acontece? É o que veremos a seguir.
3. Jr 31,34c: Como e o que conclui?
Com base nos dados acima expostos, vamos continuar a nossa indagação, tentando elucidar melhor a função do v. 34c a partir de uma análise exegética da passagem 31,23-34. Privilegiaremos, em nossa análise, como já afirmamos anteriormente, uma linha de reflexão que nos ajude a entender o tema do perdão e a sua relação a nova aliança e jubileu bíblico. Acreditamos que o perdão, embora venha citado somente uma vez em todo a passagem, constitui um elo implícito — é o que tentaremos desvendar — com os outros temas presentes em Jr 31,23-34. Para a análise de palavras e frases chaves dentro da passagem em questão levaremos em consideração a divisão em partes, acima apresentadas.
3.1 Primeira parte: dois provérbios
A primeira parte (vv. 23-26) inicia com Javé citando um ditado popular que fala de bênção e termina com um outro, que se refere a um despertar-se e perceber que o sonho tinha sido agradável.
QUEM É O DEUS QUE AGE?
O Deus que toma a palavra é chamado de “Javé dos Exércitos, o Deus de Israel”. Com o uso desse termo, ao Deus de Israel é atribuído o poder de controlar armas, povos, natureza e criação. Com o seu poder Ele “trará de volta os cativos” do Seu povo . Repetindo o provérbio popular, Javé abençoa a terra e renova as esperanças do povo. Javé é um Deus próximo ao seu povo. O “ainda se dirá” é a garantia da parte de Javé de que esse provérbio poderá ser repetido, porque Ele agirá em benefício deles. Bozak diz que a posição enfática de “ainda” (‘ôd) evidencia as dimensões de passado e futuro a que ele se refere, introduzindo assim a noção de continuidade com passado, a qual tem um papel importante na segunda seqüência .
COMO ENTENDER O PROVÉRBIO CITADO?
Quando Javé trouxer os cativos, ainda se dirá essas palavras: “Que Javé, te abençoe, morada da justiça, montanha santa” . O sentido das expressões em paralelo “morada da justiça” e “montanha santa” parece claro. A primeira forma um tipo de expressão articulada que liga a segunda com Javé, como lugar da sua presença .
Encontramos no AT textos que falam que Deus abençoa o povo oferecendo-lhe benefícios (Ex 23,25; Dt 7,13-14; 28,5; Sl 65,11). Aqui encontramos, porém, uma bênção para um espaço físico, que serve como mediação de bênção para o povo. Javé abençoando a montanha santa, ela não se torna um lugar isolado para Ele, mas um lugar de contato entre ele e o seu povo. Assim a presença de Javé será, de novo, garantida no meio do seu povo, visto que esse poderá adorá-lo novamente. A bênção, repetida, significará que a terra, de novo, será o lugar da presença de Deus. Uma outra vez mais Deus estará no meio do seu povo para abençoá-lo .
QUEM HABITARÁ NA TERRA ABENÇOADA?
O v. 24 começa afirmando “E eles habitarão nessa”, isto é, “na terra”. Segue uma especificação do lugar “terra de Judá e todas as suas cidades juntas” - expressão também presente no versículo anterior - e dos grupos que habitarão juntos. O merisma (divisão do assunto em partes distintas) indica a totalidade da sociedade. Todos, agricultores sedentários e os criadores de ovelhas (pastores seminômades), terão acesso ao lugar santo, não importando o seu lugar de residência ou a sua profissão.
A relação entre essa promessa e o jubileu parece clara. No ano do jubileu todos voltariam para as suas antigas propriedades (Lv 25,10). No caso, os desterrados, depois de 49 anos de exílio, poderiam desfrutar da terra de Judá, de onde foram levados. Na verdade, a volta dos exilados provocou um grande conflito entre os que foram para o exílio (lideranças) e os que permaneceram em Judá, aos quais Nabuzardã, comandante da guarda babilônica, teria distribuído vinhas e terra (Jr 39,10).
COMO ISSO SERÁ POSSÍVEL?
O v. 25 dá as condições para a realização do prometido. Javé intervirá, é o que nos demonstra o kî enfático que introduz a ação divina. O ato de Javé em dar em abundância e saciar é realçado pelo quiasmo sintático: verbo - objeto - objeto - verbo. A proteção de Javé, seu feito em favor do seu povo, será tal que todos serão saciados ao extremo, terão um futuro garantido. Essas palavras unem-se àquelas do v. 23b: “quando eu trouxer de volta os cativos”, dando a certeza de que o ditado do passado, que fala de bênção, poderá ser repetido no futuro, porque Javé, agindo em favor do seu povo, lhe dará vida, restaurará as suas esperanças.
UM PROVÉRBIO ENIGMÁTICO: Alguns estudiosos preferem resolver a problemática em torno à interpretação do v. 26, que diz: “Neste ponto, despertei e vi que meu sonho tinha sido agradável!”, considerando-o como glosa . A primeira questão é identificar o sujeito da frase, Javé ou o profeta? Uma solução parece difícil. Em favor de Javé temos o contexto que apresenta uma continuação do discurso de Javé em primeira pessoa. Razões de conveniência sugerem o profeta como sujeito do dito” . Contrário a Javé está o fato que uma tal idéia não pode ser atribuída a Ele.
Vale ressaltar, porém, que os Salmos 44,24 e 78,65 utilizam o verbo yqts para falar de Javé que se desperta do sono. “E o Senhor despertou-se como um homem que dormia, como um valente embriagado que dormia”, afirma o Sl 78,65. Alguns exegetas acreditam ser o v. 26 a citação de um refrão de uma canção popular. Na verdade, se o profeta ou Deus que desperta do sono, o teor da idéia anterior não muda muito. Esse provérbio alimenta, mesmo dizendo que tudo era um sonho, a esperança que a terra de Judá seria restabelecida.
3.2 Segunda parte: ainda um outro Provérbio
A segunda parte (27-30) começa com a fórmula temporal “Eis que dias virão” + “Oráculo do Senhor” . Se a primeira parte havia terminado com um provérbio enigmático, essa, ao contrário, termina explicando um outro provérbio citado.
SEMEAR PARA RESTAURAR: No v. 27 a raiz do verbo semear (zr‘) é usada uma vez como verbo e duas vezes como substantivo. Essa triplicação a evidencia como palavra chave para a compreensão da promessa divina. Semear tem antecedente em Os 2,25 (por paronomásia com o topônimo Jezrael - o nome Jezrael significa “Deus semeia”) , texto que provavelmente influenciou na redação desse versículo. Fazendo alusão à promessa aos patriarcas que a descendência deles herdariam a terra, Javé promete multiplicar o povo, renovando, deste modo, a relação com eles .
As invasões da Assíria e da Babilônia deixaram trágicas conseqüências para as casas de Israel e de Judá. O jugo de Nabucodonosor foi pesado. Ele tinha poder sobre homens e animais (Jr 27,5-8.). Javé intervém para mudar a sorte do povo, como vimos na primeira parte do nossa passagem, e, nessa segunda parte, ele promete semear uma “semente de homens e uma semente de animais”. O merisma presente nessa fraseologia, sem paralelo no AT, mostra-nos que o futuro para o povo será garantido. Javé, representado como um progenitor viril, reverterá, no futuro, a terrível ameaça da devassa prevista (Jr 7,20).
UM SETENÁRIO DE VERBOS: O v. 28 relembra as palavras que Javé dirige a Jeremias no momento da sua vocação (1,10). Ocorre, porém, que aqui temos não 6, mas 7 verbos no infinitivo, dispostos em dois grupos: exterminar, arrasar muros, erradicar, fazer o mal e construir, plantar , os quais exprimem a ação de Javé . Esses são, por assim dizer, um setenário de verbos, sendo cinco negativos e dois positivos , o que poderia demonstra uma acentuação maior sobre o aspecto negativo que sobre o positivo.
As palavras de condenação de Javé, representadas pelos verbos negativos, são substituídas por palavras de restauração, o que possibilita-nos uma comparação entre a ação destrutiva de Javé, no passado, e aquela restaurativa, no futuro . Tanto no passado como no futuro Javé vela sobre eles. A vigilância de Javé, bem como a experiência de Israel, ambas negativas no passado, é garantia de um futuro positivo.
Os cinco primeiros infinitivos expressam de forma progressiva a ação negativa de Javé. O primeiro deles ntsh, que necessariamente não significa destruição, é usado em oposição a zr‘ do versículo anterior. Ntts alude a uma necessidade de defesa proporcionada pelos muros de uma casa ou de uma cidade . Em seguida temos hrs que, literalmente, significa arrasar os muros. O quarto verbo é ’bd, aqui usado no Hifil, com o significado de exterminar, erradicar, de modo que não fique nenhuma marca.
Freqüentemente esse tem como objeto o povo. A singular ação de Javé expressa pelo último verbo, r‘‘, aparece como resumo do todo . Se r‘‘ (fazer o mal) sintetiza os cinco verbos negativos, dois outros verbos positivos construir e plantar revertem a imagem negativa apresentada por eles. Aquilo que foi destruído será de novo construído e o que foi arrancado será de novo plantado. Deste modo não mais será possível falar de extermínio ou de fazer o mal.
Àgabo diz que “ com base na relação da promessa - “plantar e construir” - com os anônimos, podemos afirmar que esta promessa se refere a reestruturação do estado de Judá enquanto grandeza política.” Esse setenário de verbos descreve ações que, passando do negativo ao positivo, revelam a esperança de dias melhores. O que já tinha sido anunciado na promessa de Javé de semear uma semente de homens e de animais (v. 27).
UM PROVÉRBIO A SER REJEITADO: “Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos se embotaram” (v.29). Estamos diante de um provérbio, também mencionado em Lm 5,7, citado e comentado teologicamente por Ez 18 e que Jeremias, simplesmente, o apresenta para ser rejeitado. Como entender esse provérbio que em Israel era tido quase como verdade a ser seguida? A longa história de idolatria e de rebelião do povo (7; 11; 25,1-7; 26, 2-6) possibilitou o desenvolvimento no país da tese apresentada por esse provérbio (2, 5.9) .
O contexto histórico nos situa no tempo do Exílio babilônico. Os deportados acreditavam que o sofrimento do tempo presente era uma conseqüência fatalista do pecado cometido pelos seus pais. A solução para um tal problema baseava-se no princípio de solidariedade. Os filhos deviam pagar pela culpa dos pais. Não podemos nos esquecer que o decálogo já dizia: ... “sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam”(Ex 20,5; Dt 5,9) .
Assim sendo, nos resta a pergunta: Estaria Jeremias contra a Lei mosaica, que insistia sobre os laços de solidariedade entre a família, parentes e tribo? A resposta é simples. A passagem, que ora analisamos, acentua, em um crescente, um novo tempo. “Eis que dias virão” e “nesses dias eles não poderão de novo” repetir um tal provérbio. O texto sublinha o contraste entre o ainda dirão do v. 23 e o não dirão de novo do v. 29.
O provérbio sobre a bênção (v.23), esse sim, será de novo repetido, mas aquele da culpa coletiva, não, visto que no âmbito da novidade anunciada, ele também terá que ser novo. Nesse caso, aquilo que se dizia no passado não poderá ser repetido no futuro. O futuro será um novo tempo onde os velhos provérbios serão abandonados e uma nova aliança será feita . Na verdade, os velhos provérbios não deixarão de serem pronunciados, porém, a força oriunda deles, em tempos de nova aliança, não será mais a mesma.
O jubileu é o tempo do julgamento de Deus. Celebrá-lo é pois submeter-se ao juízo divino, i. é, entrar na dinâmica do arrependimento , de reconhecimento dos próprios erros. Não basta dizer que os “outros” pecaram e por isso vivemos em sistemas econômicos e políticos desumanos. O erro é de todos. Celebrar o jubileu é pois buscar uma ordem mundial, onde todos tenham vida em abundância.
COMO ISSO SERÁ POSSÍVEL?
Jeremias insiste no princípio da responsabilidade individual. O uso adversativo de kî ’im do v. 30 acentua: “mas cada um morrerá por sua própria falta”. Essa idéia serve para preparar a proposta de estabilidade e inalterabilidade da nova aliança que será feita nos versículos seguintes . Na nova aliança não haverá espaço para a responsabilidade coletiva.
O pecado cometido pelos pais não poderá pesar sobre os filhos. Ninguém será réu de culpa, de um pecado não cometido por ele. Cada um será responsável pelos próprios atos . Seria, então, Jeremias contra a solidariedade? Não! Ao explicar o mal presente como castigo pela culpa dos contemporâneos, Jeremias não deixa de acentuar os pecados dos pais (16,10-13).
Todavia, o enfoque sobre a responsabilidade pessoal é somente um primeira passagem para criar uma nova realidade. O homem permanece sempre pecador. Um renascimento de Israel implica também nova aliança que, por sua vez, cria um novo relacionamento entre Javé e os seus. E para que todos possam fazer parte dessa, Javé, na sua misericórdia infinita, concede-lhes o perdão dos pecados. O que nos mostrarão os versículos seguintes .
3.3 Terceira parte: a Nova Aliança
A terceira e última parte (vv.31-34) aborda, entre outros , o tema da nova aliança, indicando os elementos essenciais para a sua realização. Após termos considerado a importância da questão em torno ao uso do provérbio sobre a responsabilidade coletiva, deparamo-nos com uma parte que, como um todo, podemos chamar de conclusiva. E mesmo se os vv. 29-30 enfatizaram a questão da responsabilidade individual, Javé, atacando a raiz do insucesso da antiga aliança, mostra-se disposto a selar uma nova com todo o povo .
ANÚNCIO DE UMA NOVA ALIANÇA: “Numerosos como as tuas cidades são os teus deuses, ó Judá! Tão numerosos como as ruas de Jerusalém são os altares que erigistes à vergonha, altares para oferecerdes incenso a Baal” (11,13), proclama incisivo Jeremias. Já o livro do Deuteronômio, narrando a esperança de que no fim dos tempos o povo voltará para Javé seu Deus e obedecerá à sua voz, ressalta: “Javé teu Deus é um Deus misericordioso: não te abandonará e não te destruirá, pois nunca vai se esquecer da Aliança que concluiu com os teus pais por meio de um juramento” (4,30-31).
Nessa mesma linha encontramos Lv 26,44-45; Is 54, 9-10; Ez 16,60-62; 36,23-32. Por outro lado, é também Jeremias quem diz: “Pode um etíope mudar a sua pele? um leopardo as suas pintas? Podeis vós, também, fazer o bem, vós que estais acostumados a fazer o mal?” (13,23). Jeremias não condena a antiga aliança. Ele simplesmente constata que as faltas cometidas por Israel (2,5.20.32) provocaram a sua ruptura. Deste modo, num contexto de crise de fé, associada à incapacidade generalizada em seguir a lei antiga, Jeremias, dá esperança ao povo, dizendo: Javé vai fazer uma “nova aliança” .
COMO ENTENDER A EXPRESSÃO “NOVA ALIANÇA”?
Resta sempre difícil dar uma definição precisa sobre o significado de “nova” (haedashah) e “aliança” (berît) . A opinião dos estudiosos, no que se refere a essa questão, pode ser resumida em três pontos :
a) seria uma aliança realmente “nova”, isto é, em relação à aliança sinaítica, considerada, por causa da infidelidade do povo, insuficiente e frágil;
b) tendo em vista o eminente retorno dos exilados à pátria, essa seria para eles um conforto moral e espiritual, dando-lhes a certeza de que Javé não os tinha abandonado. O povo deveria preparar-se para renová-la, assim que retornasse. Neste sentido, Jr 31,31 deve ser interpretado à luz de outras renovações da aliança (Js 24; 2 Rs 23,1ss) e como preparação de Ne 10;
c) por fim a nova aliança, pelo fato de não consistir num programa a ser realizado pelo povo, não teria nenhum conteúdo histórico. Mas apresentaria uma realidade escatológica com o objetivo de alimentar uma esperança religiosa.
Diante de tais propostas, ressaltamos dois pontos que, segundo o nosso ponto de vista, poderiam ajudar-nos a entender tal questão:
1) Considerando que se a história de Israel, a partir do ponto de vista do Deuteronomista, é um contínuo repetir-se de acordos rompidos e reformulados entre Javé e Israel, chega o momento em que isso não é mais permitido; chega o momento em que a velha estrutura vem considerada decaída e encerrada para sempre, é o que nos dizem o vv. 31-32 .
2) Não acreditamos que haja uma total ruptura entre a aliança sinaítica e a nova apresentada por Jeremias. Haverá, sim, uma nova aliança, diferente da sinaítca, porém, a diferença entre elas não se encontra na essência, mas no modo como a nova aliança será realizada e no seu significado. Na verdade, Jr 31, 31-34 fala de nova “aliança”, mas não de nova “lei”. Haverá, sim, um futuro diferente do passado. Mas que, necessariamente, não elimina o passado. Cremos que a continuidade da nossa reflexão poderá ajudar-nos a entender melhor essa relação entre passado e futuro no âmbito da antiga e nova aliança.
COMO NÃO SERÁ A NOVA ALIANÇA?
O v. 32 diz que a nova aliança “não será como a aliança” que Javé tinha “selado” com os pais deles no dia em que Ele os tinha tomado pela mão para fazê-los sair da terra do Egito. A referência parece ser à aliança sinaítica (Ex 19,1-24,11). Mas, poderia referir-se também à aliança selada com Abraão, Isaac e Jacó . Em todo caso, o texto mostra uma relação entre o “eu” (Javé) e “eles” (casas de Israel e “Judá” ou pais). Relação essa, que por causa do uso de “e” (wê) com o sujeito “eu” que introduz uma frase verbal, é antitética.
A infidelidade do povo fez com que a antiga aliança (no texto chamado de “minha aliança”) fosse “violada”. E, visto que a ação do povo (romper) é claramente negativa, esse uso antitético de “e” sugere que ação de Javé seja positiva , isto é, Ele não age de forma punitiva. Mesmo que “eles” romperam a aliança antiga, Javé, na sua condição de “Senhor”, age como um “esposo” que usa o seu poder senhorio não para punir, mas para criar uma nova relação. Javé é, portanto, quem decide fazer uma nova aliança. Ele é quem escolhe o seu povo, é o que nos mostra a expressão “no dia em que eu os tomei pela mão”. Nesse sentido, porém, tal ato de Javé não é diferente em relação à antiga aliança.
COMO SERÁ A NOVA ALIANÇA?
Para responder a essa pergunta, destacamos a forma antitética, dita de forma positiva, da frase do v.33a “mas como será a nova aliança” em relação ao “não como” do v.32a. A menção do tempo para a realização da nova aliança, encontra-se na expressão “depois desses dias” diferente daquela apresentada no v. 31a “eis que dias virão”. Qual o seu significado? Tempo escatológico? Parece que sim. Rudolph a interpreta como sendo o tempo do retorno ao país .
O quiasmo sintático do v. 33b define a ação divina. O sufixo nominal “minha” de “minha lei”, a qual disturba a estrutura quiástica , chama a atenção sobre si mesmo. Visto como paralelismo, o v. 33b teria a função de negar a ambigüidade de beqirebâm, que pode significar, além de seio (entendido como âmago, parte intima, coração), no meio deles, isto é, num lugar externo, físico . Em Jr 6,1.6 encontramos qéréb, para dizer, respectivamente, que os benjaminitas deveriam fugir do meio de Jerusalém e que no meio de Jerusalém tudo é opressão. Na continuação, o texto que ora analisamos diz que a ação divina não será externa, mas ela alcançará a interioridade (wê‘l libâm).
A ação de Javé cria uma nova relação . O v. 33b diz: “porei a minha aliança no seu seio e a escreverei no seu coração”. Essa metáfora chama atenção para a diversidade da nova aliança ao ressaltar implicitamente que, se a lei sinaítica tinha sido escrita em tábuas de pedra (Dt 9,10) e o pecado de Judá gravado na pedra do seu coração (Jr 17,1), na situação de nova aliança tudo será diferente. Javé alcançará a profundidade do homem, o coração. E nesse ficará inscrito para sempre a Sua Lei. Desse modo, ele poderá seguir livre e alegremente a Javé.
Entendemos esse texto de Jeremias na perspectiva do jubileu como sendo um tempo de intima relação com Deus. Uma espiritualidade diferente daquela que estamos acostumados. Não é atual essa proposta de Jeremias? Como vivermos a relação com Deus e os outros? Não seria o jubileu do ano 2000 um tempo oportuno de revisão da nossa espiritualidade? Essas são questões e desafios.
PORQUE TODOS ME CONHECERÃO: Com a “Lei” escrita no coração ninguém precisará mais incentivar seu irmão a conhecer Javé, porque todos O conhecerão (34a). É o que nos mostra o merisma “dos menores aos maiores” 34a, cf. também 6,13). A Nova Aliança de Jeremias é nova porque essa não precisará, como a Sinaítica, ser ensinada (Dt 11,19). Deus mesmo, sem intermediários, estará no coração de cada um . E, mesmo se no passado “eles romperam a minha aliança”, no futuro “eles serão o meu povo” é o que podemos perceber através do paralelismo antitético entre esses vv. 32c e 33c .
Para Jeremias a salvação encontra-se no conhecimento de Javé (2,8; 9, 23; 22, 15-16). E é Javé quem pode dar ao homem um coração capaz de conhecê-Lo (24,7). O conhecimento é a adesão ao verdadeiro Deus e à sua vontade, expressa na Lei . Javé dá ao homem a possibilidade de restabelecer laços de fidelidade. A fórmula de aliança do v. 33b: “Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo (cf. também 7,23; 11,4; 24,7; 30,22; 31,1; 32,38) mostra o relacionamento entre Javé como “esposo” e o seu povo.
Esse velho princípio da antiga aliança (Ex 6,7) não poderá ser mudado. Um relacionamento, exclusivo e livre, possibilitará a realização de uma nova aliança, onde não será permitido a adoração de outros deuses. E o povo, tendo a Lei escrita no coração, “com todo o seu coração, com todo seu ser e com todo a sua força amará a Deus” (Dt 6,5). As atitudes do povo deverão ir nessa direção, renunciando ao caminho do não conhecimento de Javé, como Jeremias mesmo denuncia (9,4-5).
PORQUE PERDOAREI: Tendo definido anteriormente a função do kî do v. 34c como conjunção subordinativa causal (porque), podemos agora entender os outros componentes que formam esse importante versículo. O v. 34c repete em modo positivo e negativo o ato de Javé em favor do povo. Ele lhe perdoará a culpa, e de seus pecados não se lembrará mais. A vontade divina de perdoar não representa somente a base para a nova aliança (kî), mas é a força motriz e a garantia de estabilidade.
O não... ainda reforça a idéia que o perdão será possível. Os verbos slh (perdoar) e zkr (lembrar) são, na verdade, dois modos diferentes para dizer a mesma coisa: Javé perdoará! O paralelismo sinonímico, figura de composição na qual estão dispostos, confere mais energia e mais vivacidade à idéia do perdão divino, confirmando que Javé, de fato, perdoará.
O verbo slh é um dos termos usados no livro de Jeremias para designar o perdão. Jeremias é o profeta que com mais freqüência usa slh, isto é, 6 vezes. Javé é sempre o sujeito. Os objetos da ação divina são: o malfeitor (5,1.7; 50,20), as culpas/faltas (31,34; 33,8) e a iniqüidade e pecado juntos (36,3).
Slh aparece duas vezes em 5, 1-17. Nele Javé, qual juiz, dirige um processo. Ele desejaria perdoar o acusado. Para justificar o perdão, ordena aos seus inspetores que busquem elementos que possam justificar o perdão. A condição para conceder o perdão é encontrar nas praças um homem que pratique o direito e que procure a verdade (v.1). Direito e verdade são termos que mostram o rompimento da aliança entre Javé e o seu povo (cf. também o v. 5b). Como a busca foi em vão, Javé chega à conclusão de que o perdão não será possível, e prepara-se para dar a sentença de condenação .
Poderei eu perdoar-te? Parece impossível! Nas praças de Jerusalém não se encontra quem respeite o direito e pratique a justiça (v.1); teus filhos me abandonaram, juraram por deuses falsos, tornaram-se adúlteros (v.7). A sentença de condenação é forte. A nação que Javé colocará contra Israel devorará messe, pão, filhos, filhas, ovelhas e vacas, vinha e figueira e destruirá pela espada as cidades fortes.(v.17).
Uma tal condenação revela-nos duas coisas: primeiro, a destruição da cidade está ligada ao pecado do povo; segundo, o devorar messe, filhos, ovelhas... une-se à promessa de Javé de que as palavras de bênçãos serão repetidas uma outra vez mais na terra de Judá e em suas cidades .
O uso de slh em Jr 50,20 dá-nos a imagem do Deus que perdoará a culpa daqueles que, sobrevivendo à catástrofe do exílio em Babilônia, retornarão à pátria. Quem os deixou em vida é o mesmo Javé que os perdoará. Isso une-se diretamente ao v. 34c. do c. 31. O perdão será em forma de uma aliança nova e perpétua. Acrescente-se a isso o v. 19 do c. 50, onde Javé também promete a restauração do povo.
Como em 31, 34c, também em 33, 8 Javé promete o perdão total para a faltas que os cativos de Judá e de Israel tinham cometido contra Ele (33,7). Esse paralelismo sinonímico presente em 31, 34c encontra-se também em 33,8, porém, entre os verbos thr e slh. O que confirma a promessa de perdão total.
Javé restabelecê-los-á como antes, bem como lhes purificará as faltas cometidas contra Ele. O ato de perdoar de Javé restabelece a paz, que antes tinha sido negada: “Se saio para o campo, eis os feridos pela espada; se entro na cidade, eis as vítimas da fome”... “Esperava-se a paz: nada de bom! O tempo de cura: eis o pavor!” (14,18-19; cf. também 4,10; 6,14; 8, 11.15; 12,12; 23,17).
Em 36,3 a dupla iniquidade e pecado é o objeto do verbo slh. Nesse versículo encontramos um perfeito teorema da atividade profética: má conduta - males ameaçados - escutar - conversão - perdão. O que demonstra que tanto a denúncia como a ameaça é, na realidade, oferta de perdão, em processo dialético .
Entre o uso que Jeremias faz do verbo zkr destacamos 2,2 e 14,10. Nesses versículos o sujeito é Javé e o objeto direto, a ação do povo. No primeiro, Javé diz que se lembrou da lealdade que Israel manifestou, em uma relação de aliança, no período da sua juventude, e que isso será o motivo que o levará a agir de forma salvífica em favor dele: o primeiro amor juvenil lembrado com nostalgia! Já em 14,10, em tempo de seca, se diz que Javé vai se lembrar da iniqüidade do povo e punir os seus pecados.
Ressalta-se que zkr é usado em 14,10 de forma positiva, significando o ato punitivo de Javé. Já em 31, 34b temos a forma negativa “não lembrar”, em paralelo com o verbo slh. Desse modo Javé expressa a certeza de que não haverá, no futuro, impedimentos à relação entre Ele e o seu povo . Do ponto de vista de conteúdo, cremos que zkr está relação a shqr do v. 28 da passagem em questão. O ato futuro de Javé de construir e plantar também implicará o não lembrar os pecados do povo, cometidos no passado.
4. Conclusão
A passagem, ora analisado, apresenta-nos um encadeamento de idéias que passam por mudanças :
1) de uma afirmação positiva “E assim como”... (v. 28) para uma negativa “... já não (v. 29);
2) de uma afirmação mais concreta, no que se refere a uma realidade física (“dirão”, v.23; “habitarão”, v. 24, “darei”, v. 25; “semearei”, v. 27, “velei”, v. 28) a uma descrição imaginária, mais estreitamente ligada ao parentesco “e os dentes dos filhos se embotaram”, v. 29.
3) de uma ênfase à culpa coletiva para a responsabilidade individual (v.30).
4) de uma culpa individual para a garantia do perdão divino para todos (v. 34c).
Nesse desenvolvimento do texto a partícula kî é uma peça fundamental que vai entrelaçando a passagem 31,23-34 até chegar ao kî conclusivo do v. 34c . No v. 25, de modo enfático, essa introduz uma frase que dá os motivos que possibilitarão a realização da promessa de uma nova bênção. O futuro será marcado pela saciedade e proteção divina. “Porque darei em abundância”... uma nova bênção será possível. No v. 30 o uso adversativo de kî ’im ressalta a responsabilidade pessoal de cada um, no que se refere aos seus pecados.
No v. 33 encontramos novamente o uso adversativo de kî junto a zô’t, mostrando como será a nova aliança. No v. 34 encontramos kî duas vezes com o sentido causal. Aquele do v. 34a conclui a idéia do v. 33 sobre a interiorização da religião (lei no coração). Já o do v. 34c, introduzindo o elemento novo do perdão, funciona como conclusivo, ligando os três pontos básicos para a realização da nova aliança, presentes num crescendo na passagem 31,23-34: responsabilidade e retribuição pessoal (v.27); interiorização da Lei (v. 33); perdão dos pecados (v. 34c).
O kî do v. 34c tem, portanto, a função retórica de apontar o “clímax” do encadeamento crescente de idéias que possibilitaram a realização da nova aliança. Ao mesmo tempo ele demonstra que a culpa individual (introduzido pelo do kî v. 30) não poderá ser mais a norma, porque Ele, Javé, diz: “perdoarei as suas culpas”. O ato de cada membro do povo em reconhecer a sua própria culpa não é o decisivo. Decisivo é a atitude misericordiosa de Javé que perdoa.
Desse modo, podemos afirmar que a nossa hipótese foi confirmada. A função da partícula kî no v. 34c mostrou-nos a importância do perdão divino para a realização da nova aliança. Vimos que, se consideramos a partícula kî de Jr 31,34c como conjunção subordinativa causal, é a possibilidade que traduz melhor o porquê do perdão no final de Jr 31,31-34. A sua colocação retórica mostrou-nos a sua função conclusiva de todo a passagem Jr 31,23-34. Vimos também que além dessa sua função retórica, no texto analisado ela desempenha um papel teológico fundamental.
Jeremias, ao fazer uso de um kî, quis mostrar a decisão divina de restabelecer uma nova aliança com o seu povo. Para isso Jeremias apresentou condições, entre as quais o perdão é básico para o restabelecimento da aliança e ano jubilar, embora o texto não o mencione. Esse, como lei, foi instituído no pós exílio.
A Javé pertence o ato de perdoar. Ao povo se enfatiza que ele não precisará mais estimular o irmão ou companheiro a conhecer Javé, porque todos O conhecerão. As atitudes, de perdoar e conhecer Javé, evidenciadas pela presença de “E não + verbo + “ainda”, nos levam a entender que o perdão, introduzido pelo kî causal do v. 34c tem uma dimensão muito maior que a não necessidade de levar o irmão ou companheiro a conhecer Javé. O povo poderá conhecer Javé porque Ele dá as condições para isso.
Ele o perdoa. E porque perdoado, o povo poderá iniciar um novo relacionamento com Javé, pronunciar a bênção, não sentir-se culpado pelos pecados dos pais, e inaugurar, desse modo, uma nova aliança, tanto quanto, a cada dia, é nova a criação (31,35-37; 33, 20-21); eterna, tanto quanto será eterno o perdão de Javé ; jubilar tanto quanto será o retorno à terra de Judá.
O perdão é um dom, oferecido por Deus, mesmo quando o povo não é capaz de reconhecer o seu pecado e pedir o perdão. As condições para receber o perdão divino foram apresentadas, mas, não sendo o povo capaz de assumi-las, Deus intervém e promete restabelecer uma nova aliança. Promete colocar a Lei no coração e, enfim, perdoá-lo. A nova aliança é, por assim dizer, o perdão de Deus que chega ao seu povo; é um entrar do povo no dom de Deus, que confere o perdão sem perguntar pelo arrependimento.
Ao mesmo tempo, nova aliança significa esperança de poder chegar a essa situação. Deus é misericordioso por natureza. Ele conhece a situação perene de pecado em que se encontra o ser humano. Por isso promete numa situação de aliança, um perdão eterno, pois Ele sabe que o seu parceiro de aliança poderá traí-Lo uma, duas, ou mais vezes. Sempre e por causa da nova aliança o jubileu será possível ser realizado.
A repetição do provérbio do v. 23 confirma-nos que uma nova presença de Javé será garantida no meio do povo. A montanha, santa e abençoada, possibilita o restabelecimento dos laços entre Javé e o seu povo. A certeza da bênção divina expressa-se na promessa de Javé de poder novamente construir e plantar nela (v. 28). O velho provérbio da culpa (v. 29), esse sim, não mais será repetido. Cada um morrerá pela sua própria falta. Os pais, que romperam a aliança, não poderão mais continuar a passar a culpa para os seus filhos. Uma nova aliança será escrita no meio do povo, na montanha santa, no coração.
Ali estará Deus. O perdão será a garantia de tudo isso. Receber o perdão é o mesmo que receber a vida. Javé abençoa a terra para que a sua presença seja outra vez visível no meio do povo. Se o povo estava no exílio porque não foi capaz de libertar os escravos (Jr 32,17), Deus lhe concederá o perdão e a recuperação das propriedades perdidas para os babilônios e as entregará aos “pobres da terra” (Jr 39).
Jeremias, assim como tantos outros profetas, soube escutar os desígnios de Deus sobre o seu povo. Ele, ao estar presente no dia-a-dia da história de sofrimento e de infidelidade do seu povo, soube chamá-lo à conversão ao mesmo Javé que o tinha libertado da escravidão do Egito.
Denunciando duramente os pecados do seu povo, ameaçou-o com castigos, mostrou-lhe um rosto de um Deus misericordioso, ofereceu-lhe as condições necessárias para receber o perdão divino e proclamou uma nova aliança, na qual o perdão de Javé seria incondicional. Se na aliança antiga, por causa dos numerosos pecados do povo, Javé agiu punindo-o “com um castigo terrível” (30,12-15), na nova aliança Ele vai perdoar a culpa e esquecer os pecados dele. Esse perdão, fundamental para a nova relação entre o povo e Javé, acontecerá, não porque o povo pediu, mas porque Javé lhe oferece.
O futuro diferente do povo encontra a sua raiz em Javé. Somente Ele pode dar-lhe uma nova vida, numa nova aliança, por meio do perdão dos seus pecados. E com a nova aliança se dá uma ruptura qualitativa na história, e instaura-se o novo. Permanece, entretanto, a tensão do já e ainda-não. Tornada iminente, a nova aliança está ainda por vir. Como ainda está por vir a realização plena de um ano jubilar ecumênico e holístico, capaz de transformar os rumos da humanidade, de instaurar um novo tempo em tempos de neoliberalismo, de libertar os escravos, de perdoar as dívidas dos países pobres, de deixar a terra repousar, de devolver a terra aos sem-terra. Seria isso um sonho? Não. E espero não ter que despertar e ver que toda a reflexão que fizemos não tenha passado de um mero sonho agradável (Jr 31,26).
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