20º DOMINGO DO TEMPO COMUM

20º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Israel e nem Jesus devem excluir os estrangeiros: a lição da cananeia

 

Frei Jacir de Freitas Faria, OFM

 

I. INTRODUÇÃO GERAL

Neste segundo domingo de agosto, as famílias brasileiras se reúnem para celebrar o do dia dos pais. Eis mais uma vocação: ser pai. Muitos filhos se queixam de nunca ter conhecido os seus pais. São os chamados filhos de mãe solteira. No Brasil, encontramos muitas famílias sem a figura masculina paterna. No âmbito judicial, comprovada a paternidade de um filho, a justiça não perdoa aqueles que não contribuem com a pensão alimentícia.

Nas leituras de hoje, encontramos as temáticas da luz e da misericórdia, as quais têm muito a ver com a relação pai e filhos. Ainda, sim, vale ressaltar que no Primeiro Testamento, o Decálogo tem como parte central o “honrar pai e mãe” e guardar o sábado (Dt 5,12-16). Esses dois preceitos têm como ambiente a “casa da família”. O pai tem a função de fazer valer o sábado no ambiente familiar, dando possibilidade de descanso para todos.  Honrar pai e mãe se refere ao próximo, pais idosos que merecem o cuidado dos filhos, e a Deus. Os pais são os transmissores da aliança feita entre Israel e Deus, que é pai. Honrar pode ser entendido como obedecer a ordens paternas, mas é também cuidar dos pais na velhice, assim como ele agiu conosco, quando éramos indefesos recém-nascidos e entregues ao mundo.

No Segundo Testamento, Jesus nos ensina a rezar, dirigindo-se a Deus como Pai-Nosso. Nos evangelhos, sobretudo em João, Jesus se dirige a Deus como pai. Ele morre invocando Deus, a quem chama: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Jesus foi inovador, e, por que não, revolucionário, ao atribuir essa expressão familiar a Deus. Em hebraico, pai se diz Aba. Pai é porto seguro dos filhos. Todos nós necessitamos da segurança paterna. O pai não exclui o seu filho, mas o acolhe com suas diferenças e o educa para uma missão sublime no mundo. Vejamos como essa questão aparece nas leituras de hoje.  

 

II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS

  1. 1.    I leitura (Isaías 56,1.6-7): Israel deve ser luz para as nações e não excluí-las do projeto de salvação. O contexto da primeira leitura é a volta do exílio da Babilônia, onde o povo estivera escravo por volta de cinquenta anos (587 a.E.C. – 536 E.C.). Vários projetos, vários sonhos foram traçados pelo povo de Deus para reconstruir a sua identidade como povo da aliança, no pós-exílio. Destaque para dois deles: “Luz das nações”, encabeçado pelo profeta Isaías; “Purificação da raça por meio da Lei”, de Esdras e Neemias, que exigia do povo o abandono e a expulsão das mulheres estrangeiras, com as quais os judeus haviam contraído matrimônio (Es 9-10; Ne 10,31). Já o projeto “Luz das Nações” fazia com que o povo judeu passasse a ver os estrangeiros como irmãos de convivência e membros do povo eleito. Os estrangeiros podiam também ensinar culturalmente ao povo israelita e participar da mesma fé. Vingou o projeto de Esdras e Neemias. Na leitura de hoje, vemos o profeta Isaías denunciando que o povo, ao rejeitar o estrangeiro, estaria violando a aliança que Deus havia feito com eles, a de agir com justiça e não com a exclusão de outras pessoas, bem como aprisionaria Javé somente a um único povo, Israel, considerado santo e puro. Outros livros bíblicos da época, como Rute e Cânticos dos Cânticos, também se opõem a Esdras e Neemias. Discriminar a mulher ou associar a pureza a ritos e observâncias de leis não garantem a salvação.

                

    2. Evangelho (Mt 15,21-28): uma mulher muda a mentalidade de Jesus  

O evangelho de hoje é a continuidade da temática do acolhimento do estrangeiro. A cena é marcada por uma mulher cananeia, de um lado, e de Jesus, do outro. Os discípulos são os figurantes que pedem para expulsar a inoportuna estrangeira. A cena recebe a marca da profissão de fé judaica em Deus que veio salvá-los. Dignos de nota são as três intervenções da mulher, contrastadas com as três respostas de Jesus. Esse pormenor levaria o judeu a pensar no Shemá Israel: “amarás o Senhor teu Deus com as suas posses, coração e ser” (Dt 6,4-9). Não poucas vezes, encontramos essa estrutura de narrativa no Segundo Testamento.

Não seríamos ousados se afirmássemos que a mulher cananeia mudou o modo de pensar de Jesus em relação aos estrangeiros, considerados como cães para os judeus, por serem vistos como impuros e não merecedores do pão reservado aos filhos. Em outras palavras, a comunidade de Mateus quis demonstrar que a salvação, em Jesus, veio somente para os judeus, de forma exclusivista. A mulher, em Mateus, chamada de cananeia, representa os pagãos, aqueles que não têm fé e nem aceitam a proposta de Jesus. E o evangelho termina de forma contundente: “Mulher, grande é a tua fé! Seja feito como queres!” (v.28). Aquela que era considerada pagã torna-se testemunha viva de que Jesus, o filho de Davi, podia agir com misericórdia e curar a sua filha. Fato que ocorreu. A fé da mulher é tamanha que Jesus não vê outra saída que atender o seu pedido. A sua fé se contrasta com a pouca fé dos discípulos de Jesus. A mulher de fé pode. Ela acabou mudando a visão de Jesus em relação à sua missão fora de Israel. A cananeia ensinou a Jesus que a misericórdia de Deus está para além das fronteiras.            

 

3. II leitura (Rm 11,13-15.29-32): Deus é misericordioso e salva a todos

Paulo, o grande apóstolo dos gentios, os não judeus, nos brinda hoje com uma bela reflexão. Os judeus, aos quais foi enviado o messias, Jesus, o rejeitaram. Os pagãos, por sua vez¸ tornaram-se os escolhidos para o projeto salvífico. Deus não abandonou o seu povo, mas, por meio dos apóstolos, como Paulo, oferece a salvação aos pagãos do império romano. O projeto de Deus é muito maior que o povo judeu. Paulo, por sua vez, reflete que a conversão dos judeus abre caminho de salvação para os judeus. Tremenda ousadia e ironia paulina. Deus é misericordioso e salva a todos. Assim como a mulher mãe do evangelho de hoje, que implora a misericórdia de Jesus para curar a sua filha.   

 

 

III.  PISTAS PARA REFLEXÃO

  1. A discriminação, em nenhuma espécie é aceita por Deus. Israel foi escolhido como povo eleito, mas não pode se valer dessa prerrogativa para discriminar os estrangeiros. Mostrar para a comunidade que nós, os cristãos, podemos incorrer nesse mesmo erro, quando nos julgamos os melhores e os únicos que serão salvos.
  2. Mostrar que Deus será reconhecido universalmente, como nos propôs a primeira leitura e o evangelho, quando a justiça e a misericórdia imperarem  entre todos os povos.
  3. No dia dos pais, vale lembrar que agir com a justiça do decálogo é oferecer dignidade de vida aos pais idosos, seja do ponto de vista humano, seja do econômico. Assim como um dia fomos indefesas crianças que poderiam morrer, se não fosse o amparo dos pais, agora, na velhice ou na doença, eles merecem a nossa atenção redobrada, como forma de gratidão a eles, e a Deus, que nos deu a vida.