21º DOMINGO DO TEMPO COMUM

21º DOMINGO DO TEMPO COMUM (21 de agosto)

Assunção de Maria

Deus antecipou nela o que vai dar a todas as pessoas de bem, no final dos tempos!

 

Frei Jacir de Freitas Faria, OFM

 

I. INTRODUÇÃO GERAL

Neste terceiro domingo do mês de agosto, celebramos a vocação à vida religiosa. Pessoas chamadas por Deus para formar uma comunidade de fé, seguindo os princípios do evangelho e o exemplo de vida de um(a) fundador(a). Celebramos também neste domingo a festa da Assunção de Nossa Senhora aos céus.

As leituras de hoje iluminam o papel de Maria na história da salvação e o dogma de fé na assunção de Maria.

Muitas cidades no Brasil, por exemplo, Belo Horizonte, guardam feriado no dia 15 de agosto para celebrar o dia da Assunção de Maria. Qual o significado deste ato de fé para os cristãos católicos? Por que a Igreja transformou em dogma de fé a tradição popular e apócrifa sobre a assunção de Maria?

É nos Evangelhos Apócrifos que encontramos a tradição sobre a Assunção de Maria. Três anos antes de morrer, ela recebeu, de Jesus, o anúncio de sua morte, no Monte das Oliveiras. Em sua casa, em Jerusalém, ela dormiu, e, daí a tradição da Dormição de Maria. Jesus veio ao seu encontro neste momento. Ele pede aos apóstolos que preparem o corpo e o levem até um lugar indicado por ele, no Vale de Josafá. Quando ali chegam, eles depositam o corpo de Maria e se sentam à porta do sepulcro. Jesus aparece rodeado de anjos, saúda-os com o desejo de paz, reafirma a escolha de Maria para, que dela ele pudesse nascer e pede aos anjos que levem a sua alma para o céu. Jesus ressuscita o seu corpo. Quando o corpo chega no céu, Jesus coloca a alma novamente no corpo glorioso e a coroa como Rainha do Céu (Cf. a tradição apócrifa sobre Maria, agrupada a partir de 15 evangelhos apócrifos, em nosso livro História de Maria, mãe e apóstola de seu Filho, nos evangelhos Apócrifos. Petrópolis: Vozes, 2 ed. 2006). 

A Dormição de Maria nasce da fé de que Maria não morreu, mas dormiu. E por ter sido levada ao céu, assunta, nasceu a terminologia Assunção, usada a partir do séc. VIII. Esta festa começou a ser celebrada liturgicamente na Igreja do Oriente, no século VI, isto é, entre os anos 600 e 700, propriamente no dia 15 de agosto, a mando do Imperador Maurício. Em Roma, a festa chegou no século VII.

O dogma da Assunção de Maria, diferentemente da maioria dos dogmas da Igreja Católica, foi proclamado recentemente, em 1950, pelo Papa Pio XII, com a bula Munificentissimus Deus. O texto diz o seguinte: “Definimos ser dogma divinamente revelado: que a Imaculada Mãe de Deus, sempre Virgem Maria, cumprindo o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”.

Mesmo que não esteja dito expressamente no dogma, a Assunção de Maria é o mais apócrifo dos dogmas. E ainda há de se considerar que nele está o triunfalismo da Igreja Católica, que se apoia em Maria para falar de sua glória e de seu poder. 

Para a fé, acreditar que Maria foi assunta ao céu de corpo e alma significa crer que “Maria não precisou esperar o fim dos tempos para receber um corpo glorificado. Depois de sua vida terrena ela já está junto de Deus com o corpo transformado, cheio de graça e de luz. Deus antecipou nela o que vai dar a todas as pessoas de bem, no final dos tempos” (Cf. FARIA, Jacir de Freitas. História de Maria, mãe e apóstola seu Filho, nos evangelhos apócrifos.2 ed. Petrópolis: Vozes, 2006, p. ).

Vejamos como iluminar a assunção de Maria, a partir das leituras deste domingo.

 

 

II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS

I leitura (Ap 11,19a; 12, 1.3-6a.10ab): A mulher vestida com o sol. A primeira leitura de hoje é tirada do livro do Apocalipse. Escrito por volta do ano 95 da Era Comum, esse livro não tem nada a ver como “fim dos tempos”, visto de modo trágico e terrível, mas, sim, como a “esperança” dita de forma figurada, velada. A perseguição romana era grande. Imagine que à época desse texto, Nero, o imperador romano, mandava queimar cristãos para iluminar as noites romanas. Os cristãos não tinham outro caminho que dizer e celebrar de forma velada e figurada a esperança que os animava na caminhada. A mulher que aparece vestida com o sol (Deus) representa a nova Eva, a igreja e também Maria, que deu a luz a Jesus, o novo Moisés e libertador do novo povo de cristãos, simbolizado pela coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. O dragão é a “antiga serpente” que cresceu até tornar-se um imenso dragão, isto é, o império romano que oprimia os seguidores de Jesus. O dragão é também a famosa besta do apocalipse (Ap 13), cunhada com o número 666, o qual provem da soma das letras hebraicas de Cesar e Nero. O dragão quis devorar o filho da mulher, o que simboliza a opressão vivida pelos cristãos. A mulher foge para o deserto, lugar de refúgio e da presença de Deus.

Uma mulher, Maria, na memória e na resistência dos cristãos, é sinal de libertação. O fraco se tornava forte. Era nisso que as comunidades precisavam acreditar.  Jesus e Maria estavam presentes na vida deles, encorajando-os a vencer as forças do Mal, o dragão.

 

  1. 1.      Evangelho (Lc 1,39-56): Maria: símbolo da ação libertadora de Deus   

Celebrando, hoje, a Assunção de Maria, nada melhor que recordar o famoso canto do Magnificat, atribuído a Maria, no momento em que ela se encontra com a prima Isabel, nas montanhas de Ein Karen, nome que significa Fonte da Vinha, é hoje um bairro judeu de Jerusalém. Não existem mais cristãos nessa região que um dia foi berço do cristianismo. Encravado nas montanhas, esse lugarejo preserva a memória de João Batista, o precursor do Messias. Perto da casa de João Batista, no alto de uma montanha, está a memória do encontro de Isabel com Maria que viera de Nazaré para visitar a sua prima. Os evangelhos canônicos narram que Isabel proclamou Maria bem-aventurada por ser ela a escolhida para ser a mãe do Messias. Maria compôs o Cântico do Magnificat, obra literária de rara beleza teológica (FARIA, Jacir de Freitas. Israel e Palestina em três dimensões: cultura, história e geografia; judaísmo, cristianismo e islamismo. Belo Horizonte: Província Santa Cruz, p. 74-75).

Duas mulheres se encontram. Uma louva – Isabel – a grandeza da outra – Maria – que se vê pequena diante do grande mistério que acontecia com ela. Em duas partes, o cântico pode ser dividido: a) Maria, que se vê como a serva e bem-aventurada; b) dois grupos, os orgulhosos e ricos e os que temem a Deus. Em duas ações acontecem os fatos: a) como o povo de Deus, Maria é sua serva; b) Deus, o poderoso, derruba os poderosos e ricos de seus tronos. Maria torna-se o símbolo da ação libertadora de Deus no Egito. Séculos mais tarde, depois da morte e ressurreição de Jesus, a comunidade reivindicou da Igreja o reconhecimento do papel de Maria, como Nossa Senhora e Rainha poderosa. Desta intuição nasceu literaturas apócrifas, as quais narram que, à sua chegada ao céu, ela foi coroada rainha por Jesus. A tradição popular perpetuou essa devoção com as celebrações marianas no mês de maio.  

      

         

 

II leitura ( 1Cor 15,20-27a): Deus venceu a morte

Paulo, escrevendo aos coríntios, faz uma bela teologia da vitória da vida sobre a morte. Membros da comunidade de Corinto não acreditavam na ressurreição dos mortos (15,12). Como ainda hoje, muitos se perguntam como o nosso corpo há de ressuscitar? Isso é possível? Paulo fala de um corpo espiritual, tal como o Cristo ressuscitado.

Mais do que aprofundar, nesse momento homilético, o grande significado da ressurreição para o cristão, vale ligar a leitura à festa da assunção de Maria. Como dissemos anteriormente, o grande mérito da tradição popular em relação à assunção de Maria, transformada em dogma pela Igreja, foi o de demonstrar pela fé que Maria foi a primeira dos mortais que encontrou a ressurreição do corpo, levado para o céu pelo seu próprio Filho e nosso Salvador, Jesus Cristo. A partir desse fato, verdade ou não, a nossa fé aumenta.

 

 

III.  PISTAS PARA REFLEXÃO

  1. Celebrando, no terceiro domingo de agosto, a vocação à vida religiosa, levar a comunidade a se perguntar pelas vezes em que ela foi ou é uma pedra de tropeço na vida das pessoas e de projetos de libertação.
  2. Iluminar a vocação a vida religiosa com o exemplo de Maria, a mulher que proclamou a libertação dos oprimidos.
  3. Demonstrar para a comunidade que Maria, por ter vivido a experiência amorosa de ser a mãe de Jesus, Deus que se fez carne no meio de nós, ela foi agraciada por Jesus como sendo a primeira pessoa, depois dele, a receber a glória da ressurreição. Nisto tudo está o amor maternal e filial de Deus Pai e Mãe de todos nós. Em Maria e com Maria vivemos a esperança de também nós chegarmos lá. Ela foi, mas não partiu, pois continua próxima de nós. Ela é a nossa origem, é nossa mãe na fé, a qual queremos voltar sempre. Ela é desejo! Ela é mãe! Caminhar com ela, na fé, é acreditar que também seremos assuntos ao céu. Antes, porém, devemos transformar nossa realidade de sofrimento, angústia, dores, exploração social, etc. em situações de vida, glória. A assunção já começa aqui. Maria vive. Ela não morreu.